segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Projeto Germânio

PROJETO  GERMÂNIO

O Projeto Germânio foi o primeiro projeto de pesquisa na área de semicondutores realizado no Brasil.  Foi implantado no Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento – IPD, do Centro Técnico de Aeronáutica – CTA , São José dos Campos, SP, em fins de 1954 pelo seu Diretor, Tte.Cel. (Av.) Aldo Weber Vieira da Rosa.
Cheguei ao CTA, recém-formado em Física pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, em princípios de 1955, levado por meu amigo Sergio Porto, com a proposta de lecionar no Departamento de Física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA. 

 Após entrevista com o chefe do   Departamento,  Prof. Paulus Aulus Pompéia, sendo por ele aceito, fui levado para almoçar no restaurante do Natalino, como era conhecido o restaurante do CTA. Sentou-se ao meu lado  o Cel. Aldo, Diretor do IPD,  que, dizendo saber da  minha experiência em laboratório (estagiei durante meus anos de aluno no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF), sugeriu que eu poderia ser útil num projeto que estava sendo iniciado: o Projeto Germânio (no  Laboratório X-2).  A descrição do que se queria fazer foi suficiente para me convencer a  aceitar a sugestão. Logo em seguida voltei a  falar com o Prof. Pompéia, agradecendo e convite, mas não aceitando a posição oferecida no Departamento de Física do ITA.  Trabalharia no Laboratório X-2 do IPD.

 Já faziam parte do Projeto o físico Carlos Quadros (que pouco tempo depois foi para o Instituto de Física da Universidade de S. Paulo), a  química   Ljuba  Van Eycken Peek, recém-chegada da Louisiana State University, e o técnico húngaro Ferenc Fabian (sem o qual o projeto não teria tido sucesso – foi ele quem construiu a maior parte do equipamento utilizado na pesquisa e na instalação piloto).

 O Projeto Germânio consistia em tentar produzir monocristais de Germânio de alta pureza para a fabricação de dispositivos semicondutores. Semicondutores são materiais situados entre metais e isolantes. Em baixas temperaturas são isolantes e à medida que sua temperatura sobe passam a conduzir eletricidade.  Havia poucos anos, em 1947, os físicos do Bell Laboratories Bardeen, Brattain e Schockley haviam descoberto o efeito transistor e construído o primeiro dispositivo semicondutor deste tipo.  O transistor, pequeno dispositivo sólido (Germânio), podia amplificar um sinal elétrico, substituindo com vantagem a válvula a vácuo. Com diodos (retificadores) e transistores (amplificadores) podiam ser construídos equipamentos eletrônicos miniaturizados e consumindo pouca energia. Logo foram utilizados em transmissores e receptores de radio. A fabricação de transistores estava protegida por patentes e suas etapas eram envolvidas em sigilo.  Era intenção da Aeronáutica desenvolver técnicas autóctones de fabricação de dispositivos semicondutores e transferí-las à indústria nacional.  O primeiro problema a ser atacado era o de produzir monocristais de Germânio de alta pureza.

Meses de ensaios foram gastos desenvolvendo técnicas de medida das propriedades de semicondutores (principalmente resistividade elétrica e tempo de vida média de portadores) que permitiriam detectar a pureza e a perfeição cristalina dos cristais de Germânio.  Para a medida da resistividade foi utilizado o método das quatro pontas e para a medida do tempo de vida média dos portadores de carga elétrica foi utilizado um pulso quadrado de luz para excitar a produção de portadores e observando a curva de  decaimento por recombinação num oscilógrafo Tektronix.

 Em seguida foi iniciado o planejamento e construção de um laboratório de alta limpeza para a metalurgia física do germânio.  Seria composto de três salas separadas por divisões de vidro, com pressão positiva, isto é, o ar filtrado era insuflado na última sala, passando desta para a do meio e, finalmente, para a terceira e desta para fora.  Assim, ao entrar no laboratório a pressão de ar impediria a entrada de poeira (impurezas capazes de contaminar o Germânio).

 Enquanto a área química procedia à análise de minérios brasileiros na busca de germânio, nosso trabalho era realizado a partir de óxido de Germânio (GeO2), de alta pureza química, determinada pelo laboratório  de química, adquirido no exterior.

 Na primeira sala foi instalado um forno tubular para a redução do óxido de Germânio em atmosfera de hidrogênio. O óxido era colocado em barquetas fabricadas a partir de barras de grafite de pureza nuclear.  Após a redução a temperatura do forno era elevada para fundir o pó de Germânio produzindo lingotes.

 Em seguida era necessário purificar ao máximo o lingote de Germânio.  Para isso foi projetado e construído,  por uma firma de S. Paulo,  um forno de radio freqüência (2 MHz), em que a radiação induziria corrente elétrica no lingote, numa estreita faixa,  a partir de uma bobina plana. A alta temperatura produzida pela corrente fundiria o lingote no centro da bobina.

 Por dentro da bobina passava um tubo de Vycor (vidro de alta pureza e baixo índice de dilatação).  A barqueta com o lingote de Germânio era colocada no centro do tubo, que se apoiava num carrinho movido por um mecanismo de relógio. O ar do interior era inicialmente purgado com argônio e finalmente substituído por hidrogênio, que era queimado na saída, após passar por um filtro de lã de aço, para evitar o retorno da chama.

 No início da operação uma das pontas do lingote era colocado sob a bobina que, ao ser ligado o forno, produzia uma fina faixa fundida no início do lingote. Ao se acionar o mecanismo de relógio o tubo de Vycor se deslocava, fazendo com que a faixa fundida. (“zona”) se deslocasse lentamente em direção à outra extremidade do lingote.  Como as impurezas ainda existentes no material têm  a tendência a se concentrar na fase líquida, várias “varreduras” do lingote fariam com que as impurezas fossem transportadas para uma das pontas do lingote que era retirada, deixando o lingote com Germânio de alta pureza.

 Na sala central do laboratório foi montado um sistema para puxar monocristais de Germânio pelo método de Czochralski. O sistema consistia de três partes principais



1.         um sistema de alto-vácuo, compreendendo uma bomba rotativa e uma bomba  de difusão a óleo, um reservatório de vácuo e os medidores de vácuo:



2.         um forno de radio freqüência (compreendendo o gerador, bobina e  potenciômetro para controle da potência transmitida e, portanto, da temperatura, bem como um sistema de registro automático de temperatura);



3.         uma câmara de vácuo de Vycor envolvida pela bobina de radio freqüência no
             interior da qual era instalado um suporte de grafite de pureza nuclear contendo
            no seu interior um cadinho de porcelana, no qual era fundido o germânio de alta   
             pureza obtido por fusão por zona; e



4.         um sistema mecânico para elevação e rotação de uma haste contendo em sua extremidade inferior uma semente  monocristalina  de Germânio, cuja velocidade era controlada magneticamente, movida por sistema acionado por um jato de ar comprimido com pressão controlada.                                                          


Na terceira sala estavam montados os equipamentos de medida de resistividade e de vida média de portadores e o escritório onde eram arquivados os dados experimentais.

 Depois de resolvidos os problemas relacionados com a redução e fusão do óxido de Germânio e da purificação por zona dos lingotes produzidos atacou-se o problema de obter uma semente monocristalina de Germânio que servisse para puxar monocristais de grandes dimensões.

 O primeiro problema era o de conseguir estabilizar a temperatura do Germânio fundido o mais próximo possível do ponto de fusão de modo a solidificar qualquer quantidade de germânio que fosse levantada da superfície da massa fundida. Isto foi conseguido, depois de muitos ensaios, com o aperfeiçoamento das medidas de temperatura por meio de pares termoelétricos e controle da potência do forno de radio freqüência por meio de um potenciômetro.

 A primeira semente foi obtida acidentalmente.  Às vezes a sorte ajuda. Após inúmeras tentativas de obter um monocristal por abaixamento programado da temperatura, houve uma pane no sistema elétrico do laboratório e o forno de radio freqüência desligou.  Observado o sistema verificou-se que uma pequena semente monocristalina flutuava sobre a massa fundida (o Germânio na fase sólida é menos denso que na fase líquida).  Esta semente cresceu lentamente até ocupar toda a superfície e daí todo o material no cadinho.

 Por meio de um aparelho de corte especialmente construído a partir de um motor de máquina de costura e fio de aço de gravador magnético, foram cortadas várias amostras do monocristal obtido.

 As amostras mono cristalinas de Germânio foram trazidas ao Rio de Janeiro onde foi feita a determinação da orientação cristalográfica das mesmas.  Neste ponto devemos realçar a colaboração do Prof. Elysiario Távora e sua equipe no laboratório de cristalografia do Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM.

 A partir dessas sementes foi iniciado um exaustivo processo de tentativas de crescimento de monocristais por solidificação controlada na base da semente e elevação progressiva (com rotação) da mesma.  Após semanas de tentativas foram determinadas as condições ótimas e monocristais perfeitos foram produzidos seguidamente.

 Enquanto a pureza necessária era controlada na fase de purificação por zona (pelo método das quatro pontas), a perfeição cristalina (que definia a vida média dos portadores de minoria) era determinada após cada operação de crescimento pelo método da curva de decaimento.  Conseguiu-se, a partir daí uma produção constante de monocristais de Germânio de alta pureza e perfeição cristalina, para a fabricação de dispositivos semicondutores.

 Foram então iniciados estudos de difusão de impurezas tri- e penta-valentes  para a fabricação de junções p-n e n-p,  com a finalidade de fabricar diodos de potência.

 A idéia da transferência da tecnologia desenvolvida para a indústria nacional foi prejudicada, pois firmas internacionais implantaram fábricas de dispositivos semicondutores no Brasil antes que o processo almejado pudesse ser iniciado.


Fotos do laboratório e do equipamento utilizado serão incluidas mais tarde.

Em meados de 1957, terminada a fase de produção de monocristais, deixei o Projeto com uma Bolsa de Estudos do Departamento de Estado dos EEUU. para cursos de aperfeiçoamento em Física dos Sólidos e Semicondutores e pesquisa em baixas temperaturas  na Universidade de Pennsylvania, em Filadélfia, USA.

 Ao retornar ao Brasil em 1958 não voltei ao IPD/CTA, ficando no Rio de Janeiro.


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